domingo, agosto 31, 2003

De braço de fora

Ao entrar no carro, deixa a janela aberta, acende o cigarro retirado do bolso da camisa branca, acende-o no isqueiro após o click indiferente e habitual. Olha para o espelho lateral e arranca devagar. Pensa levemente na direcção a tomar, roda o botão do rádio e espera que a estrada o leve. A mão direita vai com o cigarro arranhando o volante enquanto o braço contrário cai sem força do lado de fora da janela, convocando desprezos de outras viaturas, agitando os dedos ao passo de ritmos inadequados.

Ao percorrer a estrada, o cérebro embrulhado não pensa, estrebucha contrariado pelos sentidos, mas o braço que desliza pela porta esse pensa, que outras viagens menos suaves o deixavam sobre o volante enquanto o outro pousava ansioso sobre outra mão, entre outros dedos, sem cigarro.

sábado, agosto 30, 2003

Michel Petrucciani

Parece que não estava mais nada sobre a secretária, mas o disco que tocava era M.Petrucciani, desaparecido há poucos anos, uma figurinha minuscula que uma doença não deixou ultrapassar 90 cm de altura. Mas se ouvido o seu toque sobre o piano, o seu esvoaçar sobre o piano, parece avisar-nos de que algo se vai passar, alguma coisa na nossa vida está para ser dita por aquele piano, avisa e depois começa forte a dizer que a sua coragem de saber olhar a vida sobre os dedos é muito maior de que alguma ignominia que se possa insinuar sobre a sua figura.

É simples como um grande homem se ergue com os dedos sobre nós, no meio de um sorriso.

sexta-feira, agosto 29, 2003

Veneza: deslizar entre duas fotografias

Tenho á minha frente 2 fotografias, que deslizam pela secretária como um tabuleiro de letras de uma sessão espirita; tenho duas mulheres retratadas na ponte de Rialto, a sorrir, com os barcos atrás. Foram tiradas em tempos diferentes, e tão diferentes são que os escassos meses que os separam se diriam dezenas de anos, mesmo que o sorriso de ambas pareça de uma solidária felicidade atirada para alguem que as vai manipular, perguntar, admirar. É esse o fascinio de uma fotografia: ficaram ali duas mulheres, no mesmo sítio, em tempos diferentes e que no entanto, agora, nesta secretária, se tornaram paralelos.
Como se uma maquinação de autor as juntasse no impoluto terreno da frase : para sempre !

Alvor rima

com amor. Não, também rima com calor e comigo. Tanta gente morre todos os dias, mas logo tu? Despedi-me mal, pois; e agora não consigo encontrar uma série de letras que se unam para conjugar e esconjurar esta patética falta de pudor, que me obriga a falar.



Os ambientalistas, os pistoleiros e os amigos deles

Hoje, em fim de Estação, mas ainda na silly season, a Quercus divulga com o ar grave do costume as maiores barbaridades cometidas nas praias alentejanas: garrafas de vidro, de plástico, preservativos de vidro, de plástico, pastilhas elásticas Aquafresh, embalagens de Ajax limpa-vidros (ultraje máximo!). As praias alentejanas são naturalmente o refúgio de muita gente empurrada pela horda da "outra margem" que caparica furiosamente ao fim de semana.
Os ditos "ambientalistas", que nada sabem de crescimento populacional e nada fazem contra a assimetria de ocupação de espaços, são fanáticos clientes da Comporta e do Carvalhal, agora ocupados pela horda de malta que tem mais dinheiro para a gasolina e os empurra sabe-se lá para onde. Daí, ao regressar de férias insurgem.se contra os crimes ambientais cometidos contra elas, exactamente onde eles estiveram de férias!

Que fazer? O costume que esta gente sabe: polícia e pistolas em cima dos prevaricadores, e se lhes emprestassem umas navalhas ainda furavam os pneus da malta, para ajudar a polícia. Mas onde nasceram este legalistas, formais até dizer chega, velhos de 25 anos, invocando papelada, multas e destilando rancor?

Para que serve este discurso da denúncia que não denuncia a forma como se estimula e empurra as pessoas para as grandes aglomerações ?

quarta-feira, agosto 27, 2003

Ser do Benfica

Ou não ser. Eis a questão. Esta a melhor forma de exercer o livre arbítrio ( o árbitro fulminante e parcial!), gosto de futebol se o Benfica ganha ou "anda a ganhar", e ignoro-o se tudo correr mal para o clube que alguém me ensinou a gostar. Sou deste porque temos de ser de algum, alguma coisa no país português atira os corações para sofrer e gostar de ganhar com o "nosso" clube.
Não me aborreçam com os "problemas do futebol", isso agora não interessa nada! Eu só quero saber se o Benfica ganha, senão volto para o meu livro e digo: quem é que liga ao futebol ? idiotas decerto. (mas eu quero, quero mesmo, não digam alto a ninguém, eu quero que o meu Benfica ganhe !).

Enfim ... vou acabar por voltar à Luz, onde chorei quando o Ajax e o Crjuiff me frustraram a minha primeira noite de "bola", era pequeno demais para perceber de futebol, agora também não percebo, mas nessa noite de fúria e desgosto eu resolvi no meu profundo ser que havia de ser do Benfica !

E sou, malgré moi...

terça-feira, agosto 26, 2003

Dart !

Dart significa dardo. No mar significa uma forma em seta apontada ao fundo do horizonte, mesmo que uma neblina teime em toldar o olhar do navegante; este entretanto vai encharcado e salgado, com as mãos firmes fundidas nos cabos das velas, os pés dependentes da firmeza da fita elástica que corre na "cama" que une os flutuadores, o corpo paralelo á água, mais sobre ela que sobre a embarcação. Os sentidos, esses vão desprovidos de barulhos de motor, gente ou electrónica, o que faz com que a água brinque com o corpo cansado.

Depois de apontar, o dardo parece não querer mais voltar! Mas é preciso bordejar, e a rapidez do barco vai permitir a volta, sempre a barlavento, caindo momentaneamente as velas, para logo rugirem em nova direcção, inclinando de novo e fazendo subir os navegantes, que voltam a atirar o corpo para fora da embarcação, equilibrando-a.

Se algum dia, despreocupadamente olhando no horizonte, virem bem longe uma pequena vela, silenciosa e aparentemente lenta, podem estar a olhar para a alma do que sempre sonharam. E se fôr assim, quando esbarrarem com um centro comercial ou uma fila de automóveis nas férias, vão perceber onde estão.

Convem sempre saber o chão que pisamos, e se somos ou não capazes de voar.

It never entered my mind

Once I laughed when I heard U say that I´d be playing Solitaire, uneasy in my easy chair.

It never entered my mind

Once U told me that I was mistaken, that I'd awaken with the sun and ordered orange juice for one.

It never entered my mind

Except perhaps in spring

A velha senhora, num sonho profundo sem trégua, falou-me de como me espera, sem certeza de datas, como um cigarro que arde com fim inoportuno mas certo. A nova senhora não a conheço, mas tem um rosto encontrado em sonhos leves, que não distingo, tem uma voz que nunca ouvi e uma matéria nunca tocada. Vou segui-la enquanto puder e ela não souber que por acaso, num acordar vulgar, olha para um desenho de lugar inventado que não é a estação esperada, e é outro sol que aparece.

Como pigmalião, que faz da sua estátua vida, eu escrevo sem descrever a nova senhora.

quinta-feira, agosto 21, 2003

Museu Militar

Aqui não há confusão possível : sem de, encontramos um bar onde os fantasmas bebem angostura com bols e sumo de tomate, absolutamente imunes ao fígado repelente dos vivos e ao enjoo de encontrar ajoelhado um Portas a rezar pelos herois acordados estremunhados e muito mal na fotografia. É assim na blogosfera, escrevemos para o bloco de notas e como não somos jornalistas, escritores ou cantores portugueses a palavrear em inglês, resta-nos um lugar na cadeira da sala de armas de um Século qualquer, folheando um livro e esperando pelo próximo visitante de sapatos de salto sonante, para justificarmos o esforço de estar aqui.

quarta-feira, agosto 20, 2003

Museu de Marinha

Nesta onda cultural o PiPo propõe agora uma visita ao Museu de Marinha. Atenção ao de, que é importante, porque eu nada quero ter a ver com o Museu da Marinha, que é formado, entre outros (vidé post seguinte), pelos oficiais e cavalheiros que foram demitidos pelo Portas, e que se juntam em jantares que em breve só serão possíveis no David da Buraca, lugar especializado em costeletas submissas e feveras de javali.

Nas imensas possibilidades da visita proponho aqui solenemente um jantar de blogs no meio das galeotas, á luz das velas, servidos por empregados trajando vestes de antanho, incluindo portanto as meias brancas (fruto de horripilantes equivocos pelos tempos fora) subidas e os saiotes de riscas insuflados, com garbosos blusões (garbões) de veludo escuro e chapéus de aba mole (longe vá o agoiro). No jantar, que pode ser organizado pela Bomba Inteligente e pela Rata Maluka, ajudados naturalmente pela Amelie (a la recherche du temps perdido á procura de marido), os iluminados bloguistas (eu incluido) discursarão entre golos de Quinta da Mimosa (eu trato desta parte) e recitarão versos ou posts excitantes ou recalcitrantes.

O jantar é aberto a bloggers, mesmo que não aderentes à carreira militar, e as inscrições abrem aqui muito em breve.

Assunto sério.

Museu de Arte Antiga

Caso o desprevenido leitor(a) (ainda os há deste modesto blog?) não saiba, existe um jardim que se debruça sobre o Cais de Alcantara, pertencendo ao Museu de Arte Antiga. Sublime sossego para um chá ou uma quiche, mas nada de álcool, não joga com aquilo.

Passear pelo meio das estátuas e olhar o nosso rio e os nossos barcos, deixando a angustia atrás dos arbustos.

Aqui deixo a nostalgia de já lá não ir há algum tempo (não é T.?) e a promessa de que aquelas estátuas vão sorrir para mim muito em breve. Para voltar, sempre sempre.

terça-feira, agosto 19, 2003

A Via dos Infantes

Este vosso PiPo também esteve unido aos milhões de portugueses que circulam devagar no Algarve. E constata o que já todos sabem: que muitos já não sabem o que é isso de férias, uma criação capitalista reivindicada por socialistas e sindicalistas (contradisse-me ? mas é a dialética, claro!).
Assim, e se não tivessem os pobres diabos esquecido, como explicar que seja mais dificil transitar em Albufeira, Vilamoura, Armação de Pera, etc... do que na famosa e tenebrosa 2ª Circular ou na temida VCI? Ou comer num miserável (mas com nome renascentista - Leonardus - ou cinefilo - Viscontino) comedouro com pastas pizzas com fila de 20m, largando prata e papel como se de peixe grelhado (existe!) se tratasse. Do espaço inexistente no Algarve trago a triste cinza dos incêndios, uma forma exuberante e violenta das poucas árvores remanescentes se suicidarem, gritando o que muitos calam: ensinem aos infantes que a vossa via não pode ser a do esquecimento do mundo que procuram

O Ambiente de Estado contra o estado do Ambiente

O lado escuro dos que lutam contra a destruição do ambiente é a urbana origem a que se junta a indiscreta e pessimista onda de culpabilidade dos outros (sejam eles quais forem). Uma semiotica desta linguagem era capaz de revelar interessantes pulsões revolucionárias ora transformadas em boiões com análises de água morna, ora reveladas em afagos a peixes grandes mortos em pescas desenfreadas de turismo "big fish on early mornings". No fundo é a superfície que esta onda mole ataca, sem coragem para bater, debater ou insultar a cavalgada urbanistica que deteriora a costa e a cidade.
Fora com estes detritos de gente que se institui em Estado sombra e tranquiliza a consciencia, assistindo ao degradar do Ambiente, isto é, onde nós vivemos.