Something cool
Vejo umas mãos que deslizam pela parede, como se fugissem, ou procurassem, ou ainda tentassem agarrar qualquer coisa.
Vejo cores azuis a misturarem-se com amarelos; ela fez um charro mais e passou-mo; agora somos dois e não sabemos o que fazer da vida. Os anos 80 estão a acabar, e é preciso decidir: eu pego no carro, vermelho, descapotável, o meu 2Cv, o meu Ferrari, como eu lhe chamo. Ela põe o vestido de folhos sem mangas, um vestido de verão que lhe ofereci, comprado no meio do Alentejo, põe o chapelinho de palha, não usa maquilhagem, apenas uma sacola pequena com pequenos objectos de que não consigo lembrar-me de nenhum. Não, afinal lembro-me: tem uma fotografia dos dois, tirada numa máquina automática da Feira onde passeámos como se estivéssemos sós.
Olho para ela antes de pôr os RayBan pretos, ela segura o chapéu, quando eu arranco a toda a velocidade que aquela máquina da Citroen permite. Somos dois e não sabemos o que fazer da vida.
Não tenho rádio mas lembro-me das canções que ouvimos hoje de manhã, na Residencial onde estivémos e dormimos pouco. Não sei que horas são, mas pouco importa, a falésia fica mesmo ali e depois acaba-se o tempo. O meu 2CV vai a uns estonteantes 70Km/hora, ela segura o chapéu, o carro avança pelo meio do terreno baldio, aos solavancos. Bate ainda numa pedra, salta mais uma vez e depois não encontra mais nada.
Éramos dois e não sabíamos o que fazer da vida.
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