terça-feira, fevereiro 10, 2004

Jazz

A ouvir Johnny Hartman com Coltrane, lembrei-me de algo que escrevi, há já 3 anos:

Descobri recentemente que o jazz é como os seres que conhecemos mal. Falamos com eles à espera de nada, a não ser o interesse de uma informação, ficamos à espera que saia deles uma frase que antecipamos, um sorriso que desejamos e no primeiro momento ficamos sem nada. Dizemos, pensamos, quem é esta coisa com olhos e boca? Mas depois há seres que vêm ter connosco e de repente o olhar transforma-se e o sorriso afinal é bonito e o conjunto afinal faz sentido, e há beleza onde dantes havia olheiras e sono mal resolvido. O jazz é assim, um ser aparentemente indiferente, que não diz o que gostávamos que dissesse sem esforço, é antes um ser que se revela quando não estamos a olhar, com uma espécie de vergonha que depois nos envergonha. O que é bonito afinal não é o que se revela no primeiro olhar e não é um amor à primeira escutadela. Com o jazz que não é disfarçado encontramos cá dentro as angústias e olhamos de frente para elas, porque ele nos chama em vez de, como a música pimba e pornográfica, atirar notas para o ar indiferentes a quem as quer apanhar. O jazz interessa-se por nós e não precisa de casar connosco, basta viver do lado esquerdo do cérebro e do corpo. É preciso ter coragem para gostar e não deixar de lado aquelas notas que afinal são os olhos e a boca que contam para a vida curta.
Para que seja infinitésima, divisível portanto portanto até os milésimos de segundo e infinita, eterna portanto até aos milhares de anos.



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