Raros são os dias (IX)
17 h. Fez mais uma vez os 4 passos de distância entre o elevador a porta, acendeu mais um cigarro, olhou as caixas de correio, o átrio com uma planta enorme e uma secretária sem cadeira, olhou o átrio que poderia ser o da sua casa, seria? e saiu para a chuva. Afonso chegaria daí a pouco mas não a encontraria no 8º andar que não chegara a ver. Talvez chegasse no seu blazer azul escuro que repetia com a gravata azul de risca vermelha e a canção de Natal com violinos que entoava quando olhava as lojas iluminadas, talvez pensasse nos lugares de Lisboa que perdiam sentido quando já se perdera a memória de os viver com alguém, cheios de nevoeiro a escapar às obrigações de um dia com horário, em todo o lado as ruas percorridas com ela, indiferentes por algum tempo, mas sempre com uma vingança contra a passagem apressada, depois um dia quando se passa por lá alguma coisa infecta a alma e amarga os sentidos do tempo perdido, por um dia, por tanta vez se ignorar o que os olhos podem ver e passam.
17.35 h
Deu uma olhadela rápida ao relatório e fechou o computador; não era possível disfarçar mais para si próprio e muito menos para os auditores, não havia mais espaço para encobrir imposto, rasgar facturas e impingir aos espanhóis lingerie de má qualidade misturada com boas peças de roupa. Tinha de dizer adeus depressa aquela rapaziada das cuecas e soutiens, antes que tivesse de fazer malas à pressa, embarcar para o Brasil, para o Yemen ou para Angola, Abandonar a Laura e o projecto "impossível"de viverem juntos.
Mas como fazê-lo? Como, se a grande oportunidade caminhava para ele, em grandes imagens de imponentes viagens ao Belize, o iate em Vilamoura, finalmente, nada de pequenos barcos a gasolina para passear e impressionar os habitantes de subúrbio de Lisboa, comprar em Cannes, comprar assinaturas no Met, na Opera de Paris, jazz em NY, sempre que lhe apetecesse. Mas a Laura.
Tinha de sair depressa, era um dia daqueles que eles sabiam ser mais um para nunca mais esquecer, aqueles dias em que os detalhes saem de repente dos olhos das pessoas que os recordam, no olhar para o carro do lado, num bar, a olhar para o espelho enquanto o outro lava os dentes e olha para nós, a olhar para quem colidiu na esquina, escancarado no passeio depois de tropeçar, um olhar. Seria um desses dias, porque, sem saber nada de nada, sem ter comprado nada a não ser um bule de chá, iam alugar um T2, com vista ou sem ela, ele não queria saber; sem saber o que dizer à Luisa como e a que horas, nem a imagem desconfortável das malas feitas para sair de casa, nem o choro, nem as fotografias do caixote, nem os menus dos restaurantes, o desespero dos clichés. Como seria ? seria assim, como num filme italiano, com ela a rasgar roupa e a atirar coisas, ou como num filme de Eastwood, com ela sentada num sofá, com lágrimas e sem olhar para ele, a mandá-lo embora com frases curtas, sem poesia, sem grandeza, o que faria no minuto seguinte? Ia ao café, metia-se no carro, ou ia passear pelo rio, ou ainda...
17.35 h
Deu uma olhadela rápida ao relatório e fechou o computador; não era possível disfarçar mais para si próprio e muito menos para os auditores, não havia mais espaço para encobrir imposto, rasgar facturas e impingir aos espanhóis lingerie de má qualidade misturada com boas peças de roupa. Tinha de dizer adeus depressa aquela rapaziada das cuecas e soutiens, antes que tivesse de fazer malas à pressa, embarcar para o Brasil, para o Yemen ou para Angola, Abandonar a Laura e o projecto "impossível"de viverem juntos.
Mas como fazê-lo? Como, se a grande oportunidade caminhava para ele, em grandes imagens de imponentes viagens ao Belize, o iate em Vilamoura, finalmente, nada de pequenos barcos a gasolina para passear e impressionar os habitantes de subúrbio de Lisboa, comprar em Cannes, comprar assinaturas no Met, na Opera de Paris, jazz em NY, sempre que lhe apetecesse. Mas a Laura.
Tinha de sair depressa, era um dia daqueles que eles sabiam ser mais um para nunca mais esquecer, aqueles dias em que os detalhes saem de repente dos olhos das pessoas que os recordam, no olhar para o carro do lado, num bar, a olhar para o espelho enquanto o outro lava os dentes e olha para nós, a olhar para quem colidiu na esquina, escancarado no passeio depois de tropeçar, um olhar. Seria um desses dias, porque, sem saber nada de nada, sem ter comprado nada a não ser um bule de chá, iam alugar um T2, com vista ou sem ela, ele não queria saber; sem saber o que dizer à Luisa como e a que horas, nem a imagem desconfortável das malas feitas para sair de casa, nem o choro, nem as fotografias do caixote, nem os menus dos restaurantes, o desespero dos clichés. Como seria ? seria assim, como num filme italiano, com ela a rasgar roupa e a atirar coisas, ou como num filme de Eastwood, com ela sentada num sofá, com lágrimas e sem olhar para ele, a mandá-lo embora com frases curtas, sem poesia, sem grandeza, o que faria no minuto seguinte? Ia ao café, metia-se no carro, ou ia passear pelo rio, ou ainda...
1 Comments:
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