Av Almirante Reis
Desço de um carro que esqueci, vejo com tristeza os eléctricos amarelos, sinto a sujidade da rua, o cinzento do céu, aproximo-me da casa onde nasci e onde vou voltar a viver, vou voltar para a escola. Tenho sete anos, já não tenho pai, mas ainda não sei, não sei que vou voltar ali anos mais tarde, vou voltar pela terceira vez aquela casa, onde hoje só habitam fantasmas.
de toda a algazarra dos anos da avó, restam poucos, resto eu que desço a avenida entre muitos carros, sem eléctricos. Hoje não tenho bata branca para ir às aulas da 3ª classe, vou confortável num blazer em estofos de pele, com um volante nas mãos diferente do volante de plástico com buzina e uma alavanca que simulava as mudanças ao volante; não sei quantas, mas não as seis velocidades que posso manipular no meu carro preto.
Não vai ninguem comigo, não de certeza o colega que morava na Rua dos Anjos, e tinha um ar magro e que queria ir para o Técnico. Pode não existir na realidade da AV Almirante Reis, mas mora nas minhas recordações, se não for em mais lado algum. Aposto que morreu exilado em Macau, ou terá sido um pintor que decidiu ir viver para Lagos? Ou terá agora sido despedido de uma fábrica que deixa o país para se deslocalizar? Ou estará a dar aulas para os engenheiros como ele? Ou estará enterrado em Kuala Lumpur, onde tentou a sorte como jurista de um banco inglês para onde foi depois de ter casado com uma inglesa que conheceu no Bora Bora, na mesma Av. Almirante Reis?
Não sei nada da realidade dos outros, mas sei tudo sobre como é possível viver, sem perceber muito bem o que mudou na Av Almirante Reis.