terça-feira, dezembro 30, 2003

Mystic River

Gostava de vos falar do tempo; devagar, como coisa que avança para nós, entre sorrisos e festas, com espuma e bolhas vermelhas.

É sobre o tempo que falta que fala o filme de C.Eastwood. Quanto tempo falta para um encontro, uma revelação, um confronto?

Mas não tenho tempo.


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domingo, dezembro 28, 2003

Domingo

THE YOUNG MAN: Are you growing fond of literature?
JULIE: If it's not too ancient or complicated or depressing. Same way with people.
I usually like 'em not too ancient or complicated or depressing.

F. Scott Fitzgerald, 1922



Contrasting Sounds
Kandinsky,
Paris (Centro Pompidou)
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sábado, dezembro 27, 2003

O que as mulheres querem (XII)

Cantiga



Grã coita tenho sofrido
Por homem que desdenhei
Que sempre seja sabido
Quanto amo e amarei
É-me agora fementido
Por amor que recusava
E doida eu'stava em vestido
Ou se nua me deitava


Béatrix de Viennois
Provença (?-1160)
Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos (ASA)
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O momento longo de um nevoeiro

Neste preciso momento em que o nevoeiro esconde os gritos da gaivota, os fantasmas do rio regressam, frios como de lei, embora um pouco assustados porque em qualquer momento a claridade que ameaça lá em cima pode desabar e o momento longo explodir. O momento longo de um nevoeiro, como se fossem os ultimos dias de um ano, esses dias depois dos doces e antes da frenética noite de diversãoo encomendada, esses dias em que tudo parece mais vagaroso, em que os dias são todos iguais e a memória tem dificuldade em contar os dois ultimos, nomear os dias da semana, ou sequer pensar no futuro, o que é perigoso, porque dessa lentidãoo pode surgir a explosão de uma claridade, e a loucura antecipada, mas adiada sempre, revelar a sua face branca.
Como se de um recipiente cheio de leite surgissem de repente dois olhos com pestanas molhadas, e boca esbranquiçada, exangue.




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Empalideceu

quando me viu. Não deve ter acontecido diferente comigo; na passagem de peóes vi-o passar entre outros, enquanto o meu carro verde parava, com outros ao lado, mesmo ali antes de entrar na Rua do Ouro.
Por momentos pensei estar no limiar do sono, quando imagens e vozes se trocam com as letras de um livro e as horas se vão perdendo, nesse exacto momento em que as dúvidas da existência são mais vivas; ou talvez ainda nesse exacto momento em que acordamos e lutamos para perceber onde estamos e rapidamente recordar o mundo inteiro outra vez: no limite da loucura portanto.
Mas não, não era aí que eu estava, para ser rigoroso eu estava ali dentro do carro, mas também fora dele, a atravessar a passagem zebrada, talvez fosse uma confusão qualquer entre as listas brancas do asfalto reflectidas nalgum espelho ou montra.
Não tive tempo de perceber mais: o carro arrancou e entrevi-o outra vez. Sei que me viu.

Estou ainda parado em frente a uma montra, olho o reflexo e parece-me que estou no mesmo ano em que acordei, ainda estamos em 2003. Mas aquele carro em que eu ia vai demorar muito mais tempo a chegar.




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quinta-feira, dezembro 25, 2003

Pop Xmas

Recordação pop da noite de Natal !



Last xmas I gave U my heart
But the very next day U gave it away
This year, to save me from tears
I 'll give it to someone special !


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terça-feira, dezembro 23, 2003

O que as mulheres querem (XI)

Se a brisa então soprando, a ti me transportara,
um jovem te trouxera gasto pela vida

Nem do que tenho o bem de maior preço, amor
- se de amantes se diz que podem possuir -

Seria paga desse puro ardor
que nos guiava aos recessos do jardim mais intimo

Louvado seja Deus por tempo que tivemos,
de que te consolaste, e de que fiel eu vivo.



Aben Zaidum

Espanha Arabe(1003-1071)
Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos (ASA)


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Aventuras de Natal de um PickPocket (III)




Ei-lo afastando-se e levando algumas coisas roubadas, ao longo do ano; de mim levou coisas irreparáveis, e espero que nas chaminés onde as vai reciclar alguem esteja lá para as receber

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domingo, dezembro 21, 2003

Comentários mudam de site

Espero que o blogspeak se porte melhor que o outro, que tantos arrepios de desespero deu. Este tem bonecos animados...
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Domingo



O que dizem as coisas ?

o domingo vai tendo ao longo dos muitos seus iguais, ansiedades semelhantes:

a escola, como vai ser amanhã, está lá escura e sinistra;
o livro que se não leu, ali posto de parte, espera;
o trabalho de fim de semana que se mantêm intocado às 19h de domingo, murmura escondido;
ele sai da casa aquecida para fazer o turno das 20h; o autocarro para e olha-o desdenhoso;
o pescador olha o mar e ouve o que o vento lhe vai dizer; amanhã correrá pelas ondas ?
ela olha para a televisão, procura o que tem para salvar o seu inútil domingo

amanhã, outra vez amanhã;
o velho domingo espera que o novo venha para se instalar e ser recordação no domingo que vem.




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Olhando com tristeza a Lua



Num vácuo de alma
sento-me e canto
e penso em ti
profundamente
Não nos veremos
O gozo é morto
É indizível
a dor que está no coração
do homem.

LI PO
China (700-762)
Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos (ASA)







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Drinking together we may drive away the sorrows of a thousand years

Song before Drinking

See the waters of the Yellow River leap down from Heaven,
Roll away to the deep sea and never turn again!
See at the mirror in the High Hall Aged men bewailing white locks
In the morning, threads of silk, In the evening flakes of snow.
Snatch the joys of life as they come and use them to the full;
Do not leave the silver cup idly glinting at the moon.
The things that Heaven made Man was meant to use;
A thousand guilders scattered to the wind may come back again.
Roast mutton and sliced beef will only taste well If you drink with them at one sitting three hundred cups.
Great Master Ts'êen, Doctor Tan-ch'iu, Here is wine, do not stop drinking
But listen, please, and I will sing you a song.
Bells and drums and fine food, what are they to me Who only want to get drunk and never again be sober?
The Saints and Sages of old times are all stock and still,
Only the might drinkers of wine have left a name behind
When the prince of Ch'êen gave a feast in the Palace of P'ing-lo With twenty thousand gallons of wine he loosed mirth and play
The master of the feast must not cry that his money is all spent;
Let him send to the tavern and fetch wine to keep our tankards filled.
His five-flower horse and thousand-guilder coat
Let him call the boy to take them along and pawn them for good wine,

That drinking together we may drive away the sorrows of a thousand years.

Li Po
(china- 700-762 d.c.)
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sexta-feira, dezembro 19, 2003

Aventuras de Natal de um PickPocket (II)

Aqui está o logotipo que fiz para a empresa . Não aceitaram, nem sei porquê. Está lá tudo:

a energia,
a chama
o pickpocket



Como acção de retaliação mal disposta fica aqui para sufrágio. Bem feito!

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terça-feira, dezembro 16, 2003

Aventuras de Natal de um Pickpocket (I)

não posso esperar mais; o Natal aproxima-se e estou a ficar depenado. O meu aston-martin precisa de pneus novos.

aqui vou clandestinamente pelas ruas de Lisboa. Cuidem-se




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A blogosfera é ainda um local bonito por onde levar a alma a passear

Esta frase que li no essencial e o acessorio domina completamente os títulos do dia.

Os jornais não fazem títulos destes, muitos dos bloggers atiram farpas uns ao outros, outros escrevem bem mas sem alma, outros lembram-se da alma; nestes estão os momentos em que vale a pena pertencer à blogosfera, mesmo que os contadores avancem muito, muito mais depressa nos tradicionais blogs.

Só para pessoas de bom gosto

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domingo, dezembro 14, 2003

Reunião na cooperativa de Tikrit

Confusas, as mulahs da cooperativa, procuram o busto de plástico de sadaam que estava na entrada da colectividade.
Segundo algumas, foi apanhado de madrugada por um marine bêbado, que afirmava : " I knew the sob was on to something, now we got companion to the turkey ! blurghh !"





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Domingo

Encerrado aqui pela tirania da gripe, sem acesso ao sol e ao rio.

Mas será um Domingo diferente? Diz Ricardo Reis :

Nem relógio parado, nem a falta
Da água em clepsidra, ou ampulheta cheia
Tiram o tempo ao tempo





Ricardo Reis, Poesia (A&A)
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O que as mulheres querem (X)

Ao desejoso amante ela atrasou a posse,
adiando-a sábia no prazer das doces falas.
Eis senão quando o jovem, de esperar cansado,
nos braços lhe adormece, e tão profundamente!





50 Poemas Sânscritos
India ( Séc. IV -X )
Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos (ASA)_____________________________________________________________________________

O que as mulheres querem (IX)

Contra Lésbia

Que eu esteja sempre de pau feito queres
Lésbia, mas crê que membro não é dedo
Co'a mão, co'a voz, tu docemente insistes,
E contra ti teu rosto não perdoa




Marco Valério Marcial
(Roma, Hispania, 40-104 d.c.)
Jorge de Sena, Poesia de 26 Séculos (ASA)


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Os 39 Graus

Parecem vindos de outros tempos estes delirios da febre, mas não menos reais. Ou fosse outra realidade esta que a dor física acentua.

Desse limbo, acordo confuso ainda da leitura de SAFO, simbolo lésbico, (Grécia, Lesbos,630-570 a.c ), que Jorge de Sena pescou para a sua fabulosa antologia "Poesia de 26 Séculos" (edição ASA).




é um mal a morte
e os deuses assim pensam
ou já estariam mortos
há muito, muito tempo...

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quinta-feira, dezembro 11, 2003

Olavo de Carvalho (br) dixit:

Na caracterologia de René Le Senne, sou um “sentimental-passional”, o que quer dizer a mistura exata de dois tipos opostos. O sentimental puro é um contemplativo romântico que, desiludido com o mundo, prefere uma derrota digna ao envolvimento com a miséria ambiente. O passional é um ambicioso calculista, frio e paciente que nunca desiste de seus objetivos e em geral acaba por alcançá-los. A mistura significa que passo noventa por cento do tempo tentando me persuadir a aceitar uma derrota digna, mas no fundo não desisti de nada e no fim dou um jeito de conseguir o que queria. Daí a demora extraordinária de tudo na minha vida ,



Descobri este blog de escrita pouco frequente ( a última vem de Agosto ) e esta citação vem a propósito das desistências que faço ultimamente de todas ou quase todas as sugestões / solicitações que me me levariam a jantares, visitas, acontecimentos sociais diversos, tudo me parece inutil, penso desistir, e por vezes sou "levado ao colo" pelos amigos mais perto de mim. Mas como ele diz, não desisti de nada, mesmo que pareça, caso fosse possível alguem ver-me a passear no fim dos dias no pontão do rio, ou a correr atrás de uns pássaros às 7 da manhã.


quarta-feira, dezembro 10, 2003

Bonjour Tristesse

Adieu tristesse
Bonjour tristesse
Tu es inscrite dans les lignes du plafond
Tu es inscrite dans les yeux que j'aime
Tu n'es pas tout a fait la misére
Car les lèvres les plus pauvres te dènoncent
Par un sourire
Bonjour tristesse
Amour des corps aimables
Puissance de l'amour
Dont l'amabilité surgit
Comme un monstre sans corps
Tête désappointée
Tristesse beau visage


Paul Eluard







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terça-feira, dezembro 09, 2003

Conchas

As conchas têm este mistério absolutamente inacreditável: nunca se sabe que bicho mora naquelas casas, e no entanto é desse desprezo pelo âmago do conjunto que tenho pena; o importante, o que vive, o que desloca a envolvente notável está sempre por descobrir.



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segunda-feira, dezembro 08, 2003

Adagia (II)

Amoris vulnus idem sanat, qui fecit


Adagia (I)

Simplex voluptas, centuplex dolor




Mas a base é uma só

This is just a little samba
built upon a single note
Other notes are bound to follow
but the root is still that note
This new one is just the consequence
of the one we've just been through
As I'm bound to be the unavoidable consequence of you

There's so many people who can talk and talk and talk
And just say nothing oh nearly nothing
I have used up all the scale I know
That in the end it's come to nothing
oh nearly nothing

So I come back to that first note
as I must come back to you
I will pour into that one note
all the love I have for you
Anyone who wants the whole show
Ré Mi Fa Sol La Si Do
He will find himself with no show
better play the note you know

domingo, dezembro 07, 2003

Domingo

Domingo: outro, e mais outro; não param de chegar novos domingos



Fixemos este, Lisboa, e o Tejo, hoje por onde andei.

Muitos kilómetros em corrida, algo como uma penitência, algo como uma recolha de enzimas em troca da perda de proteínas em forma de água. Estranhamente sem cansaço, sem medo. Agora também sem esperança: nec spe, nec metu (roubando a ideia a JPP no Abrupto)


Sé de Lisboa (Carlos Botelho)
1938
Fundação Gulbenkian, Lisboa

sábado, dezembro 06, 2003

Letras escondidas

Já tudo te ensinei, das equações elipticas
ao pastiche de pã; só não ouso
abrir-te a arca do puro e do impuro,
do bem e mal que nos separa e ata.
Por um lençol ou lenço vou sentir
ciume e escuridão e medo abjecto
de te perder, de te ganhar, de ter
nas minhas mãos o fecho do teu pranto.
Já só posso aprender: a, como tu, cantar
sem voz nem duro rosto de palavras,
a abrir a porta que nunca ninguem viu,
a descobrir, mas sós, a fenda azul do céu.
Hás-de esquecer-me, como me esqueci
do amor mais claro que jamais vivi,
para que a rima cesse e ao longe se ouçam
passar pela floresta os instrumentos


Franco Alexandre, Quatro Caprichos
A&A-99

sexta-feira, dezembro 05, 2003

Desejada

Desejada no Museu de Arte Antiga; com um sebastianismo cada vez mais caótico.

Para T




O Rei D. Sebastião
1571, óleo sobre tela
99 x 85cm
Museu Nacional de Arte Antiga
Lisboa

Vermeer - 1

Lady standing at the Virginals
London, National Gallery
52x45 1673-75







Contraponto

True Lies : o falso Vermeer

The Girl on the Phone with the Tape Measure
Postcard, 1996




Variações sobre uma loira

Se chover a uma sexta-feira de manhã, convém colocar no leitor de CD as Variações Goldberg de Bach, enquanto se passa depressa por outros carros, na espuma da estrada.

Porque pode acontecer que esteja ali a nossa loira favorita. Talvez tenha adormecido connosco, partido, e esteja agora a pensar como voltar muito depressa.

Combinam bem: a minha loira favorita e o piano.

quarta-feira, dezembro 03, 2003

Nova era barroca no Iraque

Imagem do novo Governador da província do Iraque, pouco tempo após a retirada americana.



Reposicionando as peças no terreno (já sem jornalistas portugueses)

A grandeza do jet-set

À semelhança do jet-set festeiro e vaidoso, que pulula nas discotecas, casa a casa, cabeleirero a cabeleireiro, também existe a raça dos intelectuais suburbanos, aspirantes a momentos de grandeza universal (mas não universalista !).

Tal como o jet-set que visa aparentar-se com os poderosos habitantes de palácios inacessíveis, e por isso não frequentadores das discotecas e cabeleireiros, também alguns dos aspirantes ao estrelato intelectual querem ser vistos em lugares e coisas que outros, menos preocupados e de facto fazedores de opinião, ocupam por mérito.

Mas, bem sabemos, a grandeza não se auto proclama, tem-se ou não.

A grandeza autopropagada é apenas saloia e localizável quase sempre nos suburbios. Felizmente, tal como a gente do jet-set saloio, também uma palavra solta apressadamente, um gesto mal ensaiado, uma peça de vestuário mostrada por engano, revela o ser encapotado, travestido de intelectual.

Estejamos portanto atentos: they live !



segunda-feira, dezembro 01, 2003

Lusitania Liberata

Aos 30 de Novembro, reuniram e deliberaram "sobre os justos respeitos dos lugares que se inquietaram, procurando remédio para que cessem os sentimentos em que se encontravam".

Proclamada a vontade, restauraram-se sentimentos e uniram-se em prece as mãos ansiosas.

A manhã de 1 de Dezembro rompeu, de um sonho.

Insomnia (II)

Entretanto a Rainha, presa de graves cuidados, abrigava nas suas veias uma ferida de amor e consumia-se no seu oculto fogo. Pensa continuamente no alto valor do herói (...) cravadas traz no peito as imagens dele, as suas palavras, e isso não permite dar aos seus membros plácido sono.

Virgílio, A Eneida

Insomnia (I)

Há duas portas do Sonho, uma de chifre, por onde saem fácilmente as visões verdadeiras; a outra, de branco marfim, primorosamente lavrada, mas pelas quais enviam os manes à terra as imagens enganadoras

Virgilio, A Eneida