25 de Abril - a arte e o amor
Este 25 de Abril devia recordar-me coisas, pensadas ou vividas lá bem para trás.
O pasmo de há 30 anos, a alegria de há 30 anos, o poço de onde saíam almas que outras tentaram liquefazer
O despertar para as emoções de amores e desamores, paisagens e países, ódios e mortes em volta,
Despertares políticos, ansiedades, gritos de revolta, cabelos compridos, os Gentle Giant, os Génesis, escrita de angústia feita,
partidas de lágrimas presas, regressos encantados.
e depois tudo ! Tudo, sim, tudo o que se mete num bolso, antes de apanharmos um comboio num dia qualquer
para um lado qualquer, porque se deixou para trás qualquer coisa de profundo e se decidiu andar numa máquina do tempo.
Mas que fazer se me lembro apenas das tuas palavras dos últimos dias, e que dominam o meu dia de hoje
e me puseram outra vez eufórico e atabalhoado como o miudo do 25 de Abril que eu fui !
Fui lá ao outro lado do mundo muitas vezes, vi muitos lugares onde podia encontrar-te, mas quiseste afinal chamar por mim aqui, de
onde se vê sempre o rio, onde todos os dias o rio nos convida a partir pelo mar dentro.
Será sempre assim.
Menina dos Cravos, AMADEO DE SOUZA-CARDOSO
1913, Museu do Caramulo)
De ti
meu irmão
ainda ouço
o grito que deixaste
encerrado
em cada pétala do céu
cada pedra
cada flor.
O grito de revolta
que largaste à solta
e que ficou para sempre
em cada grão de areia
a ressoar
como um pálido rumor.
O grito que não cansa
de implorar
por amor
e mais amor
e mais amor.
José Fanha, in "Breve tratado das coisas da arte e do amor"