O que as mulheres querem (III)
Nádegas Redolentes ( Luis Fernando Verissimo, edição brasileira 2002)
Ela era irresistivel quando acordava. Tinha até um cheiro diferente, que desaparecia no resto do dia. Um cheiro morno. Cheiro de leite morno, era isso. Com um inexplicável toque de baunilha. Mas ela acordava de mau humor. Quente, cheirosa, apetitosa e emburrada. Nem deixava ele beijá-la na boca. "Eu ainda nem escovei os dentes!" E se ele tentasse beijar o seu umbigo (noz-moscada, possivelmente canela), ela dava-lhe um safanão.
Não eram só os cheiros. Ela acordava fisicamente diferente. A cara maravilhosamente inchada, a boca intumescida, como a de certas meninas de Renoir. No resto do dia ia alongando-se, modiglianizando-se, mas de manhã era uma camponesa compacta, com fantásticas olheiras roxas. Ele não sabia explicar. Ela era uma mulher delgada, de pernas compridas, mas de manhã tinha as pernas grossas. E ou ele muito se enganava ou até a bunda ela perdia, de dia. A bunda, as nádegas redolentes. "Mmmmmm... ervas aromáticas. Um quê de sândalo..."
- Pá-ra!
De noite era ela que insistia e o emburrado era ele. Ela tomava banho, botava uma camisola transparente e deitava-se ao lado dele, toda certinha, penteado perfeito. Ele não podia dizer que gostava mesmo era quando ela acordava com a camisola toda torta, com uma alça enroscada nas pernas, nas doces pernocas matinais. Ele ficava lendo, ela ficava esperando. Cheirando a sabonete e esperando. Tentava começar uma brincadeira, cutucando com o pé. Cantarolava no seu ouvido - "ele já não gosta mais de mim... que pena... que pe-e-ena..." Ele continuava lendo até que ela desistisse e dormisse. Ele não queria nada com aquela pessoa que virava as pestanas antes de ir para a cama. Queria era a camponesa da manhã. Sonhava com a sua camponesa irritada.
A tese dela era que, antes de escovar os dentes e tomar café uma pessoa não é uma pessoa, é uma coisa. E o desejo dele de possui-la antes de lavar os dentes comparava-o a uma tara, quase uma necrofilia. "Sai, sai!" E levantava-se, tentando encontrar as pontas da camisola, puxando uma alça do meio das pernas com fúria. Quando chegava à porta da casa de banho já era uma mulher comprida. E ele ficava cheirando o travesseiro ainda quente. Mmmmm... baunilha...decididamente baunilha.
Uma noite ela disse:
- Eu acho que você tem outra. Acho que você está pensando nela neste momento. Fingindo que lê e pensando nela. Diz que não !
Ele não disse que não. Estava pensando nela, de manhã. A sua outra, a sua inatingível outra, a das pernocas, a da baunilha. Mas ela não precisava se preocupar, pensou. Nunca seria enganada, a outra nada queria com ele.
- Apaga a luz, apaga.
Ele suspirou, apagou a luz. Enquanto faziam amor, ele tentava imaginar que ela era a outra.
Mas o cheiro do sabonete atrapalhava.
Ela era irresistivel quando acordava. Tinha até um cheiro diferente, que desaparecia no resto do dia. Um cheiro morno. Cheiro de leite morno, era isso. Com um inexplicável toque de baunilha. Mas ela acordava de mau humor. Quente, cheirosa, apetitosa e emburrada. Nem deixava ele beijá-la na boca. "Eu ainda nem escovei os dentes!" E se ele tentasse beijar o seu umbigo (noz-moscada, possivelmente canela), ela dava-lhe um safanão.
Não eram só os cheiros. Ela acordava fisicamente diferente. A cara maravilhosamente inchada, a boca intumescida, como a de certas meninas de Renoir. No resto do dia ia alongando-se, modiglianizando-se, mas de manhã era uma camponesa compacta, com fantásticas olheiras roxas. Ele não sabia explicar. Ela era uma mulher delgada, de pernas compridas, mas de manhã tinha as pernas grossas. E ou ele muito se enganava ou até a bunda ela perdia, de dia. A bunda, as nádegas redolentes. "Mmmmmm... ervas aromáticas. Um quê de sândalo..."
- Pá-ra!
De noite era ela que insistia e o emburrado era ele. Ela tomava banho, botava uma camisola transparente e deitava-se ao lado dele, toda certinha, penteado perfeito. Ele não podia dizer que gostava mesmo era quando ela acordava com a camisola toda torta, com uma alça enroscada nas pernas, nas doces pernocas matinais. Ele ficava lendo, ela ficava esperando. Cheirando a sabonete e esperando. Tentava começar uma brincadeira, cutucando com o pé. Cantarolava no seu ouvido - "ele já não gosta mais de mim... que pena... que pe-e-ena..." Ele continuava lendo até que ela desistisse e dormisse. Ele não queria nada com aquela pessoa que virava as pestanas antes de ir para a cama. Queria era a camponesa da manhã. Sonhava com a sua camponesa irritada.
A tese dela era que, antes de escovar os dentes e tomar café uma pessoa não é uma pessoa, é uma coisa. E o desejo dele de possui-la antes de lavar os dentes comparava-o a uma tara, quase uma necrofilia. "Sai, sai!" E levantava-se, tentando encontrar as pontas da camisola, puxando uma alça do meio das pernas com fúria. Quando chegava à porta da casa de banho já era uma mulher comprida. E ele ficava cheirando o travesseiro ainda quente. Mmmmm... baunilha...decididamente baunilha.
Uma noite ela disse:
- Eu acho que você tem outra. Acho que você está pensando nela neste momento. Fingindo que lê e pensando nela. Diz que não !
Ele não disse que não. Estava pensando nela, de manhã. A sua outra, a sua inatingível outra, a das pernocas, a da baunilha. Mas ela não precisava se preocupar, pensou. Nunca seria enganada, a outra nada queria com ele.
- Apaga a luz, apaga.
Ele suspirou, apagou a luz. Enquanto faziam amor, ele tentava imaginar que ela era a outra.
Mas o cheiro do sabonete atrapalhava.
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