segunda-feira, junho 14, 2004

Raros são os dias (XII)

Luanda

7.30h - Ao olhar a janela, o mesmo susto de sempre: um soldado de "kala"ao ombro, passava revista ao pátio da escola. Ainda não se habituara ao cenário, mesmo visto do 7º andar do apartamento alugado, com muito mais espaço que a sua casa de sempre, na Maianga; ainda não se habituara á ideia de sofrer a ausência de Laura. Inoportunas as ideias do dia em que vira subir a rua um carro verde, muito fumo de escape como era norma naquela cidade. Nesse dia resolvera ir a casa a meio da manhã, tomar um cafezinho, fazia aquilo poucas vezes, muito menos vezes do que as que se entretinha a contar ao seus amigos da Universidade, aos portugueses em especial. Gostava de os olhar sorridente e lembrar-lhe as dolorosas idas e vindas pela 2ª circular, vindos do Cacém, records de 3 horas de caminho, sextas feiras loucas de paixão pelo automóvel, uma ópera não chegaria. Tomar café a casa a meio da manhã?
O automóvel verde encostou ao passeio curto, degradado e sujo, sem cães, com crianças de olhar bonito com uma esperança de nada e de tudo o que pudesse ser outra vida, a sua vida. Sairam dois pequenos homenzinhos magros e antes que batessem á porta ou dissessem fosse o que fosse, Marcelo já sabia que a sua vida mudara alguns minutos atrás, antes de alguém dizer algo, ele olhava a vida de alguns minutos atrás e via-se a trocar frases banais com os alunos, a falar ao telefone, mais para trás, a jantar arroz frio com peixe frito, acompanhado de cerveja, mais para trás, na praia da Corimba, entre palmeiras, mesmo rodeado de latas de coca-cola, mas feliz, sim mesmo feliz, quando ao domingo olhava com rancor antecipado as maldades que as segundas feiras fazem a quem é feliz, mesmo ainda que a Física dos homens fosse impossível, ele não queria olhar mais para o futuro, não queria mais a sua vida. Ouviu o relato dos polícias como se tudo estivesse escrito antes, num drama de Lobo Antunes, sem paixão aparente, com palavras incertas, com vento por trás a soprar as palavras desnecessárias. Um taunus velho que oferecera a Laura ainda era objecto de cobiça pelos deserdados do petróleo, pelos errantes da guerra, para trocar por uns dólares.
"Laura, não penses em oferecer resistência, se isso acontecer dá-lhes as chaves, pensa em nós e não no carro" dissera-lhe após uma conversa recorrente em Luanda: assalto com pistola em punho num semáforo, quem resiste é morto (friamente dissera o Pita, ao que ele retorquira que quem mata sem ser friamente deve ser um tipo qualquer de romance policial, vindo directamente da página 48, onde normalmente se mata o primeiro, depois pode acontecer que a história se complique e seja preciso matar mais um ou outro. Friamente claro, como Ripley, que tinha uma maravilhosa Heloisa que o esperava numa confortável casa em Paris e seria a musa inocente que inspirava o gelo dos crimes). Mas ela era altiva, achava impossível que a sua bela cabeleira pelos ombros e (sempre) contrastante com um baton vermelhissimo, aliada a berloques comprados em Lisboa na casa Batalha, pudesse fazer com que alguma pistola se disparasse a não ser que um acaso...

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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Anonymous Anónimo said...

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